MARCONI GREVI: UMA HOMENAGEM AO MESTRE DO TRAÇO POR EUNÁDIA CAVALCANTE
A Conselheira Eunádia Cavalcante homenageia o grande mestre
Marconi Grevi, um dos profissionais mais importantes da primeira geração de arquitetos da cidade de Natal/RN, e professor aposentado do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, detentor de uma vasta produção de projetos de edificações públicas e privadas no estado do Rio Grande do Norte e fora dele, cumpriu sua missão nesse mundo e partiu para arquitetar em outra dimensão do cosmo. Esse texto é uma homenagem ao mestre que foi para várias gerações de arquitetos, e muito além disso, ao ser humano generoso com o qual tive a honra de conviver e para que as novas gerações possam conhecê-lo. O conteúdo desse texto é fruto das diversas entrevistas realizadas no âmbito da pesquisa intitulada “A obra do arquiteto Marconi Grevi: contribuições acadêmica e arquitetural para a cidade de Natal” do Departamento de Arquitetura de UFRN.
Atuando também como artista plástico e professor, o conjunto da sua obra é um grande contributo para a Arquitetura Potiguar e referência na formação de novos profissionais.
Marconi Grevi nasceu em Santa Cruz, cidade localizada na Ribeira do Trairi, na mesorregião Agreste e microrregião da Borborema Potiguar, distante 122 km da capital do Estado do Rio Grande do Norte, no dia 05 de abril de 1944. Filho do fotógrafo Luiz Grevy Silva e de Laura Grevy. Interessado pelo desenho, antes de iniciar sua graduação fez o curso Desenho Arquitetônico por correspondência. A ideia de estudar arquitetura foi amadurecida durante o período escolar, cursado no Ginásio São Luís e no Colégio Marista, ambos situados no bairro da Cidade Alta, em Natal. Segundo Grevi, “Quando eu era jovem, que morava aqui em Natal, antes de ir para Recife fazer meu curso, eu me deparava sempre com o problema da Catedral, que já existia naquela época, em mil novecentos e cinquenta e pouco. […] Eu achava muito interessante a ideia de fazer arquitetura naquela época”.
Iniciou sua formação acadêmica em 1965 na então Faculdade de Arquitetura do Recife (que em 1969 foi transformada em Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pernambuco), concluindo o curso em 1970, tendo como tema para o trabalho de graduação o projeto de um Shopping Center, para o centro de Recife. O arquiteto afirma que durante a sua formação, foi bastante influenciado pelas obras dos arquitetos modernistas: “Sou de uma escola que vem influenciada por Oscar Niemeyer, que por sua vez tem uma influência do arquiteto suíço Le Corbusier. É uma arquitetura basicamente cubista e brutalista”. Destaca ainda, no cenário mundial, a importância de Frank Lloyd Wright e Mies van der Rohe.
Sua trajetória profissional inicia-se com seu retorno para a cidade de Natal, no mesmo ano da sua formatura. Porém, apesar de conhecer muito a cidade e de ter muitos amigos, seus primeiros projetos foram realizados na cidade do Recife.
O arquiteto conta que, naquela época, dividiu o mercado com os outros oito arquitetos da cidade, entre eles, João Maurício, Moacyr Gomes, Raimundo Gomes, Daniel Holanda, Ubirajara Galvão e Manoel Coelho, que atuaram também como professores no Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (CAU/UFRN). Em seus 50 anos de carreira, Marconi Grevi sempre desenvolveu seus projetos individualmente enquanto autor.
Em 1970 ingressou como docente na Escola Técnica Federal do Rio Grande do Norte (ETFRN), hoje IFRN, dos cursos de Edificações e de Educação Artística, ministrando as disciplinas Desenho Arquitetônico, Geometria Descritiva e Desenho Artístico. No ano seguinte, 1974, foi convidado pelo arquiteto e professor João Maurício Fernandes de Miranda para ministrar aulas no recém-criado curso de Arquitetura e Urbanismo da UFRN, do qual foi professor até o ano de 1996. Na UFRN, atuou como docente das disciplinas de Desenho Arquitetônico, Desenho Artístico, Desenho do Objeto, História da Arte e Projeto. Colaborou diretamente com a mudança curricular ocorrida no início da década de 1990, que adotou o princípio de integração de conteúdos e produtos acadêmicos, que se caracterizou como uma proposta revolucionária no âmbito dos cursos de arquitetura e urbanismo brasileiros.
Além de arquiteto, Marconi Grevi foi pintor, escultor e tapeceiro. Ao longo da sua carreira desenvolveu estudos diversos e executou obras que foram incluídas em seus projetos de arquitetura. Embora afirme não ter se dedicado muito a estas artes, considera que o método do seu trabalho como arquiteto é influenciado por elas: “É, tem que aproveitar o que o artista usa para trabalhar com a arquitetura. Eu não me separo da arte. Tem que estar com a cabeça preparada para isso porque não é só uma técnica, não é só um desenho, é uma criação e criação é arte”.
Segundo Grevi, arquitetura tem, por princípio, “o conforto ambiental, criar espaços confortáveis” para as pessoas, seja por meio de aspectos técnicos, que buscam o aproveitamento da luz e da ventilação natural, por exemplo, seja pelo uso da cor, ou pela estética e função. “Tudo isso junto, forma a arquitetura”.
Sua percepção sobre o que é uma boa arquitetura baseia-se na tríade vitruviana:
A gente nunca pode dizer que uma arquitetura é funcional, plástica ou estrutural. Ela, na realidade, é a soma das três coisas. É um princípio que já Vitrúvio, na Grécia, dividia a arquitetura em três partes a forma plástica, a função e a estrutura. Acontece que para haver uma arquitetura é necessário que haja um equilíbrio das três coisas.
Em seu discurso, ele ressalta a importância do arquiteto se reinventar a cada projeto, fazendo uso de diversos artifícios e aliando-os aos condicionantes de cada um. Do seu ponto de vista, na concepção de um projeto
A maneira de se começar é muito particular, de arquiteto para arquiteto, de arquitetura para arquitetura. Eu não posso começar uma casa pelo arcabouço geral, já uma igreja eu posso porque basicamente é um espaço só. […] É claro que quanto à forma plástica é uma questão de estética. O belo para uns, não é para outros.
Entende que o primeiro passo deve ser sempre a interação com o cliente, seja ele um indivíduo particular ou a própria cidade. De forma que é importante conhecer bem seu cliente, suas intimidades e gostos, integrar-se com ele, muitas vezes tornando-se parte de sua família. Essa interação permite ao arquiteto propor espaços confortáveis e adequados à cada caso. A partir do conhecimento das informações relativas às necessidades, gostos e particularidades do cliente, o projetista começa a montar o “quebra-cabeça” com os condicionantes existentes, buscando uma proposta que atenda a todos os requisitos observados pelo projetista.
Segundo Grevi, esse exercício prévio de acumulação de informações e reflexões, ou seja, o conhecimento sobre o objeto, aliado às condicionantes, contribui para a dinâmica no ato da concepção de um projeto: “Meu processo de criação é muito rápido, por exemplo, eu projeto uma residência em quinze, vinte minutos e existem projetos meus que eu nem chego a fazer variantes no papel. O que está na minha cabeça é transposto direto para o papel”.
Com um acervo de mais de mil projetos realizados, principalmente em Natal, desde 1970, é reconhecido como um dos principais arquitetos que influenciou várias gerações de arquitetos formados na UFRN com seu estilo próprio de fazer arquitetura: “meu traço, as linhas inclinadas, as cores, eram bem diferentes do que era feito”.
Sua obra icônica é a Catedral Metropolitana de Natal. Segundo ele, o desejo de projetar uma nova catedral para a cidade sempre existiu na sua cabeça, mesmo antes do final da graduação:
Durante a época que eu estava fazendo arquitetura e das vezes que eu vim a Natal, eu vi que aquele projeto sempre ficou encalhado, aquilo nunca ia pra frente, então surgiu a ideia de fazer o projeto de arquitetura. Quando eu cheguei em Natal, em 70, passei mais ou menos dois anos amadurecendo a ideia e quando foi em 1972 eu fiz um projeto com maquete e apresentei a comunidade religiosa, ao bispo D. Nivaldo e ele gostou da ideia. Fez uma reunião com todo o Clero, apresentou o projeto e eu defendi o que tinha projetado […]
De acordo com Grevi, a ideia básica determinante desse projeto foi a de construir um teto em curvas parabólicas, que sobre o acesso principal se inicia a seis metros e culmina sobre o altar com 30 metros de altura. “Era como se começasse no homem e terminasse na direção de Deus”.
Para o arquiteto não há inspiração e sim a ideia a qual poderá ser interpretada: O homem na sua proporção é bastante pequeno às coisas de Deus, daí a entrada ser baixa, convidando ao mesmo para um aspecto humilde; Na medida que se entra no templo, as linhas começam a subir; as linhas se elevam tendendo ao infinito; o infinito implica a Deus. A Catedral é formada por um conjunto de linhas que elevam o homem a Deus.”
Fruto de uma geração de arquitetos que teve a prancheta como principal instrumento de trabalho, Grevi não se intimidou com a era digital e adotou, ainda nos anos 1990, o Corel Draw como recurso gráfico para representação das suas ideias e projetos. No entanto, destaca a importância, durante a formação do arquiteto, da manutenção do que é designado como “traço do arquiteto”. Cita a geometria descritiva como base de formação e modo de identificação de preferências arquitetônicas, quando diz que “cada arquiteto ele tem uma identificação com determinadas linhas, uns com linhas inclinadas, uns com linhas horizontais, outros com linhas verticais, outros com curvas”. Lembra que Oscar Niemeyer gostava de curvas, já a sua fascinação está nas linhas inclinadas.
Esse texto homenagem é uma oportunidade para demonstrar o nosso respeito e admiração pelo trabalho do arquiteto e professor Marconi Grevi, que ciente do seu papel como profissional que “interfere na vida das pessoas através do projeto das suas casas ou das cidades onde elas habitam, e que, portanto, contribui fortemente na vida das pessoas e na sociedade”, acredita ter cumprido a sua missão. Em 77 anos de vida, conforme sua própria percepção, trouxe arquitetura, arte e ensino para o mundo e conseguiu transmitir seus conhecimentos, sabedoria e arquitetura aos que o cercam. Gratidão mestre por tudo o que me ensinou!
Eunádia Silva Cavalcante
Arquiteta e Urbanista
Conselheira do CAU/RN
Chefe do Departamento de Arquitetura da UFRN
Publicado em 23 de fevereiro de 2021
Linda e merecida homenagem ao saudoso professor Marconi Grevi, parabéns Eunádia.
Lindo texto, reverência e homenagem merecida, ele foi tudo isto mesmo, além de ser a pessoa encantadora, alegre, que foi, tb meu “mestre”, na arquitetura e se ensinamentos de vida, para a vida, influenciou nossas vidas, nos alçou em grandes vôos!
Descanse em paz Grego, esteja com Deus!
Parabéns pelo texto!
Noticia do CAURN e não CAUPR.
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